segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Seagulls


(pra ler ouvindo... Essa música é, sem dúvida, uma das músicas mais alma que existem... Compositor: Egberto Gismonti. Título: Palhaço)

http://www.youtube.com/watch?v=_A9_FufVnKU&feature=related

Adoro essa palavra em inglês... Seagulls... Um orgasmo fonético…

Existem coisas que simplesmente sabemos que estão ali... só sabemos, sentimos. Costumamos dizer que há uma "força maior".

Mas como se sabe que há de fato algo ali? Algo intangível? Algo que não se explica? Algo que te guia simplesmente? Algo que independe da sua vontade, da sua mente? Hoje acredito muito mais no silêncio do que na fala, porque a fala quase sempre será guiada pela mente, o silêncio não... o silêncio é a alma que não encontra palavras...

Essa "força maior" é incontrolável, ela pode chegar forte, leve, calma... como percebê-la? De repente você simplesmente sente alguma coisa maior do que você...

Escuta-se.

Vê-se.

Sente-se.

E podemos sentir, nos traz ar, nos guia por caminhos inesperados, não planejados, surpreendentes. Que caminhos são esses que não foram escolhidos voluntariamente pela minha mente? Há de haver algo maior.

Nos faz crer na natureza, nos mostra nossa insignificância diante da vida, diante da necessidade de controlar tudo, te mostra o quão desnecessário é tentar controlar ou traçar um plano.

Imprevisibilidade.

Tenho seguido caminhos cada vez mais no hoje, nunca o passado foi tão desimportante, nunca o futuro foi tão nulo. O que é o passado? Onde está o futuro?

Heráclito disse que não podemos entrar duas vezes no mesmo rio… li num livro agora que não se pode entrar nem uma vez no rio, porque o rio passa rápido demais… Achei essa frase mais apropriada.

Como ocupar o espaço tão rápido e curto do hoje com pensamentos, sentimentos, emoções do passado e do futuro? É uma grande injustiça com o presente, caramba! Ele mal chegou e já tem que concorrer com fantasias e imagens que já se desintegraram! É injusto…

Aí vão me falar: “Bia, mas as experiências do passado são grandes aprendizados… você se fortalece com a dor, com o sofrimento, e pensar no futuro é importante para traçar seus planos no presente”

Ok, agora me acompanha: vivi sim muitas experiências no passado que me ajudaram a construir o que sou hoje, ok. Mas, quando você se depara com alguma situação atual, no presente, você já está anos luz da pessoa que você foi quando viveu a situação no passado… Se você fosse no passado a pessoa que você é hoje, certamente não teria vivido a situação da mesma forma, o que certamente não teria te transformado na pessoa que é hoje. Entende? É correr atrás do rabo… Por isso, o que você viveu e como você lidou com as situações do passado viraram sensações, só.

Os aprendizados não viraram souveniers na sua prateleira… Já pensou? Uma prateleira cheia: o primeiro – nasci. Aprendizado: é preciso fazer força pra nascer. O segundo – queda do primeiro dente. Aprendizado: não chorar tanto. O terceiro – reprovação na escola. Aprendizado: estudar mais. Parece ridículo, mas se fôssemos analisar os aprendizados no momento dos fatos, certamente com 5 anos de idade você nunca iria achar que tirar o primeiro dente poderia representar enfrentar o medo. Ou que uma reprovação na escola poderia ser uma excelente oportunidade de fazer novos amigos ou assimilar mais algumas coisas.

Você acha mesmo que olhar pra trás e ver que você já passou por situações piores do que as que vive hoje serve de conforto? Isso significa que você não está se permitindo vivenciar tudo o que é preciso hoje… seja sofrer muito, seja se alegrar muito. Ser espontâneo é isso: estar 100% no presente. Livre de todo pre-conceito, livre de aprendizados… Lembrei nesse segundo do filme sobre os Doutores da Alegria, que me marcou muito. Entre muitas mensagens lindas e emocionantes, o filme fala sobre como é ser um palhaço, e que o palhaço é um estado onde sua mente tem que estar completamente vazia… Pronta pra receber qualquer tipo de emoção e sensação, e ser capaz de agir com a emoção que cada momento exige. Não se pode ser palhaço se você entrar em cena cheio de aprendizados, cartilhas, “como re-agir caso a criança fale assim”, ou “como re-agir caso a mãe da criança fale isso”. Isso é condicionamento, não espontaneidade. Isso é amarrar o ser humano num espaço onde somente aquele tipo de atitude é permitida, nenhuma mais. E o palhaço ainda é o único que tem livre acesso quando coloca sua máscara! Ali ele pode sentir o que quiser, rir, chorar, sorrir, pular, o que ele quiser! O grande desafio pra mim? Ser palhaço sem máscara...

Viver no presente é muito difícil…

Mas seguindo esse raciocício, onde entram nossos planos pro futuro? Onde entram as famosas metas de vida, que todos nos ensinaram ser tão importantes? Em todos os lugares ouvimos que temos que ter metas, metas no trabalho, metas na vida pessoal, metas pra emagrecer, metas pra isso, metas pra aquilo! Passamos todo o tempo nos colocando no futuro…

E se eu passar a viver somente o meu presente??? Não preciso mais me planejar pra nada? Nossa, que alívio pensar nisso… ufa… posso viver meu presente agora sem ocupar meu precioso tempo com o futuro…

Opa… péra aí… Isso não se chama comodismo? Ai meu Deus… Levando para situações práticas do dia a dia, é necessário um esforço maior pra conseguir entender. Na prática, se me planejo pra alguma coisa, é porque desejo HOJE aquela coisa, e se não posso realizar o desejo no HOJE, me planejo para trazer o desejo o mais rápido possível para o presente. Portanto, o contrário também é verdadeiro: se não me planejo para algo, é porque esse algo ainda não se tornou um desejo meu real. Ok, essa explicação fez sentido pra mim. Fui convencida. (incrível como sempre queremos ter explicações pra tudo não?)

Essa foi uma importante conclusão na minha vida… Vou parar de pensar tanto em metas, olhar pra dentro, e ver o que realmente me importa HOJE. Só. Se conseguir enxergar, acho que já vou ter dado um grande passo…

E aí, quais são suas metas de HOJE?

Ah, apenas para não ficar muito desconexo, o título do texto fala de gaivotas… simplesmente porque todo esse questionamento surgiu quando estava olhando pra elas em Arraial. Essa foi a origem do pensamento, que só veio a ser concluído hoje, depois de um loooooooongo papo no Outback...rs

Pra quem nunca viu o filme, é fantástico:

http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?produto=19583

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Penso, logo não sinto


(foto: Praia Grande, Arraial do Cabo)

http://www.youtube.com/watch?v=hwNlQRvV-b4
http://www.youtube.com/watch?v=rrk0Bi7RwJU
http://www.youtube.com/watch?v=ujQoUEdXr_8
(pra ouvir lendo...)


Longe de mim querer corrigir Descartes, quem sou eu... De fato se pensamos, sabemos que existimos. Mas, pra mim, existir está desvinculado do pensar.
Nossa civilização ocidental está moldada para a razão, para a lógica, para as provas, para a ciência, para o cartesiano. É uma busca desenfreada para trabalhar a mente o tempo todo. As escolas, as universidades, todo o sistema é voltado para a mente... Se olhamos para uma pessoa que fala bem, logo a admiramos e falamos: "nossa, essa pessoa é muito articulada." E já concluímos que ela deve ser bem sucedida. Resumindo, é isso que acontece.
Os avanços tecnológicos se dão por causa das mentes.
Meu post não será grande, e queria deixar registrado apenas a importância de se enxergar o conceito ao contrário. De olhar para o negativo da imagem.
"O que o coração pode nos dar? Com certeza, nada high-tech, industrial ou capaz de gerar dinheiro. Mas pode nos proporcionar alegria, celebração e também uma enorme sensibilidade para a beleza, a música e a poesia. As pessoas primitivas têm algo em comum com as crianças pequenas. São alegres, espontâneas e naturais, mas totalmente insconscientes daquilo que são. Para que possam amadurecer, primeiro elas têm que perder toda a sua espontaneidade, tornar-se civilizadas, educadas e desenvolver uma cultura, uma civilização, uma religião. Precisam esquecer completamente sua essência para que um dia sintam falta dela."

"A vida real está nos sentimentos. Pensar é algo falso porque pensamos sempre a respeito de alguma coisa, nunca a coisa em si. Você pode refletir sobre o vinho o quanto quiser, isso nunca o deixará bêbado. Você terá que bebê-lo, e o ato de beber envolve sensibilidade e emoção" (OSHO, Uma farmácia para a alma)

Como seria um mundo onde as pessoas só sentissem? Respeitassem os sentimentos? Escutassem seus sentimentos?
O pensamento é necessário sim, eu acredito. Necessário para girar as engrenagens das rotinas. Mas ele não deveria ser nunca o guia, a linha mestra das relações, das decisões.
Não consigo me lembrar de nenhuma decisão errada que eu tenha tomado baseada nos meus sentimentos. Nenhuma, zero. Desde que esse sentimento seja de paz, paz interna. Se sim, é um bom caminho.
Às vezes nos deparamos com situações na vida onde ouvimos: "calma, tenha paciência, pense muito sobre isso antes de tomar alguma decisão..." NÃO!!!!!!!!!! Não pense muito!!!!!! Apenas sinta, permita-se, escute-se, tenha paciência sim, mas pra conseguir se ouvir, sentir-se, just let it go... Até o ponto em que seu sentimento seja de fato sólido suficiente pra que você siga.
Talvez as pessoas ao seu lado não consigam entender isso, mas, elas hão de entender um dia que essa é a única forma de se chegar à verdade, à verdade de cada um. E só se é capaz de se relacionar profundamente, quando as verdades já se encontraram, quando cada um enquanto indivíduo se sente completamente e logo irá respeitar o outro.
Filosofia quer dizer "pensar sobre a verdade". Mas, antes de pensá-la, é preciso encontrá-la. Ela está aqui, o tempo todo, mas enquanto não pararmos de pensar, ela não emerge, não sobe, não aparece...
Óbvio não?rs

terça-feira, 27 de julho de 2010

Reflexões sobre espiritualidade

Hoje ouvi uma frase, dentre muitas que ouço no meu “casulo de trocas” (casulo de trocas = salinha onde faço análise), que me fez refletir sobre muitas coisas. Isso acontece constantemente no processo de análise: você chega com muitos tópicos pra falar, e já no primeiro a conversa toma um rumo inesperado, inexplorado e encantandor muitas vezes. (exatamente como acabou de acontecer aqui: não pretendia começar escrevendo assim, mas, o imprevisível se faz tão previsível… a mudança é tão constante… só nos faz entender que não temos controle de nada mesmo)
Pois bem, voltando ao tópico inicial, a frase foi: “quando o discípulo está pronto, o mestre aparece”. Pode ser que pra muitas pessoas essa frase seja lugar comum, mas foi a primeira vez que ouvi, e ela preencheu uma explicação boa pra muitas coisas. Nós, inconscientemente sabemos disso. Alguns sabem conscientemente.
Conversando com uma grande amiga, fui me dando conta de como nossa percepção vai mudando ao longo da vida, dos anos, dos meses, dos dias, das horas, dos segundos! Comecei a reparar como os conselhos vão ganhando uma dimensão maior, deixe-me explicar melhor: como nossa visão ganha amplitude e como cada vez mais conseguimos enxergar algumas situações de forma mais clara, ainda que em meio a elas.
Comecei a fazer análise não há muito tempo, mas acredito que eu como discípula, não estava pronta. Hoje, não sei como eu seria sem tudo o que me questionei nesse tempo. E aí está e cerne do texto: nós devemos ir em busca de “estar pronto para”? Acredito que o curso das nossas vidas não seja assim, nós não vivemos em busca de ficarmos prontos para alguma coisa, não conscientemente. A vida nos leva por caminhos, tortuosos ou não, que nos fazem perceber que antes de fazermos a pergunta se estamos prontos ou não, olhamos pra trás e falamos: “mudei”. E se em algum ponto você para e se pergunta se “está pronto para alguma coisa” ou não, é porque você não precisaria sequer fazer a pergunta. A resposta é não. Ou seja, essa é uma pergunta que na essência não existe. Quando se está pronto, você não irá se perguntar. Simplesmente, vai. E é assim que deve ser, a meu ver.
É como quando se pensa: “mas quando vou saber que estou pronta pra ser mãe?” Tempo perdido pensar na resposta… se você se fez a pergunta, não siga. Você não está pronta. Quando se está pronta, você simplesmente sabe que está, quer, sabe que quer, e faz.
Quanto mais se vive, mais se prepara para a chegada do mestre, ou dos mestres. Quanto mais perguntas você se faz, mais estável se torna o indivíduo como indivíduo. Quanto mais se percebe o quão insignificante é a nossa existência, mais nos conectamos com o universo e toda a energia que se move. Tem dias que parecem um grande nada dentro de mim, eu olho pros carros na rua, olho pras pessoas de terno indo almoçar com seus crachás de pertencer, olho pro entregador do mercado, olho pro pipoqueiro… e… n-a-d-a… e aí, olho pro céu… e sinto a pequenez de tudo isso aqui… e esse sentimento é tão confortante, tão aliviante, tão bom pra nos dar força pra voltar às nossas pequenas vidas…
Tudo isso me remete à palavra espiritualidade. O tema espiritualidade me remete a um livro que li há algum tempo, muito bacana, chamado “Qual é a tua obra?”. O autor é Mário Sérgio Cortella, filósofo. Vi uma palestra com ele e fiquei encantada. Adoro ver uma palestra e perceber como se dá a interação do público com o palestrante, adoro perceber a comunicação corporal, principalmente quando o palestrante parece ter o dom de conduzir com maestria. E a palestra dele foi assim. Fiquei fissurada do começo ao fim. Conclusão óbvia? Saí de lá e comprei o livro…rs… Ok, ok. Impulso. Mas o outro post que escrevi já me justifica sobre esse assunto…rs…
No livro, ele diz:
“O desejo por espiritualidade é um sinal de descontentamento muito grande com o rumo que muitas situações estão tomando e, por isso, é uma grande queixa. E a espiritualidade vem à tona quando você precisa refletir sobre si mesmo; alias, a espiritualidade é precedida pela angústia. De maneira geral, a angústia é um sentimento sem objeto. Quando você fica triste, é por alguma coisa. Quando você está alegre, é por algum motivo. A angústia se sente e não identifica o objeto. Você se levanta e não sei o que está acontecendo, estou com uma coisa, um aperto aqui no peito. É uma sensação de vazio interior.
Martin Heidegger, grande filósofo alemão do século XX, dizia que a angústia é a sensação do nada. E ela é positiva num ponto, pois o nada é a possibilidade plena. Quando se pode sentir o nada, todas as opções se apresentam e todos os horizontes são possíveis.”

Lendo isso, dá pra sentir quase uma paz por estarmos angustiados. Mas é isso mesmo, deve-se ser capaz de se conhecer a tal ponto, que a angústia se torne um sentimento positivo, e o que temos que saber é ter paciência pra esperar que ela passe e deixe apenas seus frutos.
Osho diz: "a espiritualidade é uma busca egoísta, uma tentativa de encontrar o significado do eu, do prazer consigo mesmo" (do livro "Uma farmácia para a alma")
Incrível como amadurecemos quando nos colocamos à disposição da vida. Sem controle. “Welcome changes, have a sit. Wanna a beer?”. Depois de tanto pensar em milhões de coisas, concluí de forma prática o que, pra mim (que fique bem claro que só pra mim), é de fato se conhecer. Uma pessoa que se conhece pra mim, é alguém que encontra integridade entre o que pensa, o que sente, o que fala e o que faz. Se uma dessas 4 esferas não condiz com as demais, o discípulo ainda não está pronto para mestre. Essa foi uma forma prática que encontrei (provavelmente os estudantes de psicologia têm essa aula no primeiro dia de faculdade…rs… e eu levei alguns anos pra chegar a essa conclusão…rs) de trazer a teoria para a prática, coisa que fiz e faço a minha vida toda. Pensei comigo: quando falo algo que não penso de fato, só pra colocar fim a uma discussão, ou para não alongar uma conversa, ou para não chatear a outra pessoa, ou por qualquer motivo, estou sendo EU? Não. Posso dizer que me conheço? Não. Não posso… porque se eu me conhecesse suficiente, saberia que essa não é a melhor solução pra mim. Não dizer o que eu realmente penso vai contra o que penso que sou. E quando faço alguma coisa simplesmente porque a sociedade exige que se faça assim? Me conheço? Não. Se me conhecesse saberia que eu, enquanto indivíduo, não estaria fazendo aquilo. Posso optar por fazer algo contra a minha vontade, por alguma conveniência ou porque as circunstâncias exigiram assim? Sim, mas é preciso encarar a verdade e saber que a sua essência não faria assim. E assumir portanto todas as consequências que virão, muito possivelmente, a longo prazo. E quando não mostro ou falo o que sinto? Esse é um dos piores males, porque vai me desequilibrar emocionalmente. Já tive essa experiência e definitivamente não faz bem...
E quando o que penso que sou vai totalmente de encontro ao que nos foi ensinado e ao que a sociedade espera? Aí meu amigo, rs, não se esqueça de ser gentil com os outros, pois os obstáculos serão muitos… (fui bastante eufêmica, porque o que ia escrever era: “aí meu amigo, você tá fudido…rs) Quando se chega nesse ponto na vida, é quando se toma consciência do que você É. Como disse Clarice, “eu É”. (eu tento mas Clarice me persegue)
Poucos serão aqueles capazes de te aceitar, de te compreender, de estar ao seu lado, até de simplesmente, conversar. Nesse ponto, é exatamente nesse ponto, que você se torna uma pessoa corajosa. Mas coragem é assunto pra outro tópico…
A mudança é tão constante que já mudei, do começo do texto pra cá.

Esse texto seria esse som:

http://www.youtube.com/watch?v=3JfeA7eypQE&feature=related

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Mas o que te levou a essa viagem? (o ímã entre mim e os livros)

É urgente escrever sobre isso, está aqui dentro e preciso conseguir colocar pra fora!!!
Você se conhece?
Conhece alguém que se conhece?
Reconhece alguém que se conhece?
Se reconhece?
O que é se conhecer?

Acho que esse texto vai fazer mais sentido para quem já se fez alguma dessas perguntas, caso contrario, pode parecer uma grande loucura, ou a melhor das hipóteses: pode fazer surgir a pergunta.
Conversando com uma grande amiga, em um dos nossos papos tão inquitetantes quanto “serenantes”, ela me perguntou: “Mas Bia, você se lembra o que te fez começar esse processo em você?” Infelizmente, minha memória doriesca não me permite achar essa resposta, mas, tenho um caminho! O texto pode parecer grande, mas muitas partes são trechos dos livros que me ajudaram a rumar…

Por algum motivo, sindo a necessidade de comprar alguns livros, ainda que saiba que não os lerei nos próximos meses, quem sabe anos. Mas, entendi que quando um livro me desperta, devo comprá-lo. Ponto. Não é ponto pacífico de discussão.

Hoje, 23 de Julho de 2010, sei que minha intuição é muito mais inteligente do que minha razão, infinitamente. Pra cada pergunta que me faço hoje, geralmente encontro uma boa resposta em algum livro da minha prateleira. E penso: “obrigada intuição por me ter feito comprar esse livro, mesmo diante de toda dúvida se valeria mais a pena gastar R$120 nele ou numa linda blusa da Maria Filó” (todos nós precisamos de coisas belas de vez em quando gente, sem hipocrisias…)

E foi assim que fui construindo aos poucos a minha (pequena ainda) biblioteca, cheia de novos insights criativos e saciantes.

Posso dizer que minha grande musa inspiradora, foi sem dúvida alguma, Clarice Lispector. E me entristece demais não lembrar como foi esse encontro… quando algo me marca, não há jeito de me fazer esquecer quem me recomendou. Se uma banda entra na minha vida, sei exatamente quem me trouxe. Se um restaurante me apetece, sei de onde veio a dica. E Clarice infelizmente me veio de alguma forma não lembrada… vai ver que veio por mim mesma… o que seria bem mais compreensível vindo de mim… rs

Mas sei ao menos o primeiro livro que abriu meu mundo: “Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”. Tenho vontade de chorar quando penso que meu primeiro livro “passaporte”, foi esse. Mas chorar de emoção, de preenchimento e de espanto com tamanha afinidade, não entre mim e o livro, mas entre meu momento e o livro.
Não preciso ir muito longe pra explicar o que se passou. A nota do livro é: “Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte do que eu.”

Sem mais delongas, trechos imperdíveis do livro:

“Lóri se perfumava e essa era uma das suas imitações do mundo, ela que tanto procurava aprender a vida – com o perfume, de algum modo intensificava o que quer que ela era e por isso não podia usar perfumes que a contradiziam: perfumar-se era de uma sabedoria instintiva, vinda de milênios de mulheres aparentemente passivas aprendendo, e, como toda arte, exigia que ela tivesse um mínimo de conhecimento de si própria: usava um perfume levemente sufocante, gostoso como humus, como se a cabeça deitada, esmagasse humus, cujo nome não dizia a nenhuma de suas colegas-professoras: porque ele era seu, era ela, já que para Lóri perfumar-se era um ato secreto e quase religioso.”

“sentiu como sua condição era pequena porque um corpo é menor que o pensamento – a ponto de que seria inútil ter mais liberdade: sua condição pequena não a deixaria fazer uso da liberdade. (…) Mas seu descompasso com o mundo chegava a ser cômico de tão grande: não conseguira acertar o passo com as coisas ao seu redor. (…) Lóri se cansava muito porque ela não parava de ser.”

“Lóri, disse Ulisses, e de repente pareceu grave embora falasse tranquilo, Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida.”

“Mas da lua ela não tinha receio porque era mais lunar que solar e via de olhos bem abertos nas madrugadas tão escuras a lua sinistra no céu. Então ela se banhava toda nos raios lunares, assim como havia os que tomavam banhos de sol. E ficava profundamente límpida.”

“No entanto era o seu pavor de uma possível intimidade de alma com Ulisses o que a deixava irritada com ele. Estaria na verdade lutando contra a sua própria vontade intensa de aproximar-se do impossível de um outro ser humano? (…) Parecia-lhe no entanto que ela própria dificultava a missão de ambos. Porque embora sem saber o que queria, além de um dia vir a dormir com ele, adivinhava que seria algo tão difícil de dar e receber que ele talvez recusasse.”

(meu Deus, vocês já viram alguém escrever sobre algo tão sentimento e alma dessa forma?)

“’Não entender’era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. Mas não-entender não tinha fronteiras e levava ao infinito, ao Deus. (…) O bom era ter uma inteligência e não entender. Era uma bênção estranha como a de ter loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas do intelecto, uma doçura de estupidez.”

(agora preparem-se, o trecho abaixo é cruel)
“Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelho diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. (…) Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. Mas eu escapei disso.”

“Mas existe um grande, o maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho. É com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma.”

“Seria talvez possível que a um certo ponto da vida o mundo se tornasse óbvio? Tinha medo de perder a vida da surpresa continua se chegasse a esse ponto, e no entanto ele se tornaria uma fonte de paz. Ou não seria paz o que ela queria?”

“Por que é que você olha tão demoradamente cada pessoa?
Não sabia que você estava me observando. Não é por nada que olho: é que eu gusto de ver as pessoas sendo. Estou sendo…”

“Você ainda não se habituou a viver?
Não.
Então é perfeito. Você é a verdadeira mulher para mim. (…) Comigo você falará sua alma toda, mesmo em silêncio. Eu falarei um dia minha alma toda, e nós não nos esgotaremos porque a alma é infinita. E além disso temos dois corpos que nos será um prazer alegre, mudo, profundo.”

(um dos melhores trechos sem dúvida…)

(e a facada final)

“Dependerá de nós chegarmos dificultosamente a ser o que realmente somos. Nós, como todas as pessoas, somos deuses em potencial. Não falo de deuses no sentido divino. Em primeiro lugar devemos seguir a Natureza, não esquecendo os momentos baixo, pois que a Natureza é cíclica, é ritmo, é como coração pulsando. Existir é tão completamente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nós enlouqueceríamos. A solução para esse absurdo que se chama ‘eu existo’, a solução é amar um outro ser que, este, nós compreendemos que exista.”

Minha jornada com Clarice estava só começando, e em seguida, escolhi pelo título o que viria a ser minha segunda grande viagem até mim: “Perto do Coração Selvagem”.

“Perco a consciência, mas não importa, encontro a maior serenidade na alucinação. É curioso como não sei dizer quem sou. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo.”

“Se o brilho das estrelas dói em mim, se é possível essa comunicação distante, é que alguma coisa quase semelhante a uma estrela tremula dentro de mim. Eis-me de volta ao corpo. Voltar ao meu corpo. Quando me surpreendo ao fundo do espelho assusto-me. Mal posso acreditar que tenho limites, que sou recortada e definida. Sinto-me espalhada no ar, pensando dentro das criaturas, vivendo nas coisas além de mim mesma.”

(por isso deve ser tão bom olhar o céu…)

“Mas onde está o que quero dizer, onde está o que devo dizer? Inspirai-me, eu tenho quase tudo; eu tenho o contorno à espera da essência; é isso? – O que deve fazer alguém que não sabe o que fazer de si? Utilizar-se como corpo e alma em proveito do corpo e da alma? Ou transformar sua força em força alheia? Ou esperar que de si mesma nasça, como uma consequência, a solução? Nada posso dizer ainda dentro de mim. Tudo o que possuo está muito fundo dentro de mim."

“Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome."

“Na verdade ela sempre for a duas, a que sabia ligeiramente que era e a que era mesmo, profundamente. (…) Porque ela nascera para o essencial, para viver ou morrer. E o intermediario era-lhe o sofrimento. (…) Sobretudo, pensou ainda, compreende a vida porque não é suficientemente inteligente para não compreendê-la.”


“E foi tão corpo que foi puro espírito”

(nossa senhora, eu leio e não me canso de ficar impressionada…)

O processo é louco, milhões de livros me vieram assim, na hora certa. Pretendo continuar esse texto acrescentando outros insights de livros importantes nessa descoberta. Transcrever Clarice agora já foi por si só uma outra grande viagem, pois é sempre tempo de ler com outros olhos.
Boa viagem.

Esse texto é esse som:

http://www.youtube.com/watch?v=OvMMznRpn6g


Esse texto é essa imagem:

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O mesmo som

Há sempre uma boa frase de algum filósofo, matemático, físico, poeta ou músico que se encaixa em algum momento das nossas vidas…
Há pessoas que sequer precisam de rádio. Pessoas que sequer pensam em notas. Pessoas que vivem a vida sem um tom, sem um som, sem te(n)são.
Me deparo com muitas, amigos, amigas até. Como (con)viver com pessoas que sentem a vida tão diferente de mim? “Mas quanto egocentrismo menina” – disse a vida. Não quero que vejam como vejo, que sintam como sinto, que ouçam como ouço.
Sentir a vida da mesma forma, afinal, como decidimos quem serão nossos amigos? Intuitivamente, acredito que seja assim. Não precisamos gostar da mesma alface, nem de comer jiló, nem dos mesmos filmes. Precisamos ter essência, capaz de apreciar diferentes filmes, apenas por reconhecer a beleza que há nas coisas. Precisamos ser abertos pra deixar entrar o que quer que nos toque, sem questionar de onde veio, ou quem fez. Isso por si só já seria pré-conceito? Não, não acredito. Conceito. Todo conceito nos fornece elementos pra sua identificação, e música pra mim é o maior e mais importante ponto de encontro entre as pessoas com quem quero estar.
Como saber o que cada um sente ao ouvir uma música? O que acontece dentro de cada um em um show com música alta? Quantas e quantas histórias se cruzam no ar nesse momento? E quando 2 histórias se cruzam na mesma música?
É loucura tentar explicar o que move dentro de mim com algumas músicas, muitas. Parece que cada nota vai lentamente tocando cada célula, e às vezes quase dói… O que você sente com aquela música? As ondas vão entrando, entrando, e parece que do cérebro sai uma enchente de alguma coisa, provavelmente alguma “fina” da vida, endorfina acredito, que proporciona uma excitação de todos os sentidos… Com certeza a ciência já estuda essa reação há tempos, e não serei a primeira a tentar explicar isso. Mas falo do quão reconfortante é saber que outras pessoas passam por isso, e que só essas pessoas sentem a vida como eu e muitas outras pessoas.
Não que essa forma de viver e sentir seja melhor ou pior, muitas vezes a sensação que tenho é de fragilidade diante de uma melodia quase cruel, como se meu corpo fosse inteiramente pronto pra se deixar levar pra qualquer lugar. Vai, faz o que quiser, não sinto meu contorno, nada. Talvez seja isso: algumas músicas, ou melhor, milhares delas, me fazem acessar um componente completamente ininteligível, incompreensível, algo que somos, algo que temos, algo que não vemos, algo que não é corpo, algo que simplesmente te faz chorar, algo que simplesmente te faz pertencer a todos os lugares, algo que te conecta à alma, algo que transborda e te anestesia… Algo que me faz quase implorar pra parar, mas nesse ponto já fui inundada… Algo que me faz levantar os braços, faz a alma dançar… É tão visível, tão lindo ver uma alma dançando. Mas quem pode apreciar esse momento? Mais que isso: quem pode partilhar esse momento? Só quem entende o conceito… Voltamos ao conceito.
Que delícia ser preenchida por mínimas, semínimas, arpejos, breves, colcheias, fusas… (col)Cheias, (con)Fusas.
Alegria, tristeza, lágrima, sorriso, riso, saudade, vontade, roupa, calor, frio, encolhida, balanço, pulo, vício pesado.
O que ouvir na alegria? O que ouvir na tristeza pra voltar à alegria? O que ouvir na alegria pra voltar pra tristeza? O que ouvir pra tirar a roupa? O que ouvir pra escrever, pra pensar, pra falar?
Há pessoas que vêem a vida com fundo musical. É disso que estou falando. Isso alivia. Ainda que doa. Eu vivo a vida com (pro)fundo musical…
Quer dançar? O que você está ouvindo?

Escutei escrevendo:

http://www.youtube.com/watch?v=p_lkMK2Spu0

http://www.youtube.com/watch?v=YDJMSd_Tuwo
http://www.youtube.com/watch?v=z-1_ZSX3Wfk
http://www.youtube.com/watch?v=DeiYR0eST7U

Esse texto é essa imagem:
http://www.myspace.com/wearegush
(Valeu Sérgio!)